Uma homenagem a Elsa Gomez-Imbert
Bruna Franchetto
Elsa Gomez-Imbert partiu desta terra, aos 80 anos, e nos deixou nesta terra, em 20 de dezembro de 2024, cheios de saudades. Estava em sua casa em Cajarc (Lott), no sul da França, num belo vale, com seus gatos e um pomar de tomates. Esta paisagem é uma das minhas últimas lembranças dela. Elsa iluminada, calmamente agitada, uma beleza toda especial em um corpo pequeno e perfeito. Ela se gostava e gostava que gostassem dela. Esta nota começou em tom pessoal, carregada de afeto de muitos anos de amizade, mas é preciso entender, além de lembrar, a sua estatura gigante como linguista, como pesquisadora e como mulher. Apesar das muitas diferenças, essa dimensão de grandeza é comparável, na minha opinião, com a da nossa querida Yonne de Freitas Leite.
Elsa era diretora de pesquisa vinculada à Universidade de Toulouse. Andou muito pelo mundo, longas temporadas nos Estados Unidos, sobretudo no MIT, muitas viagens para a América do Sul, para a sua terra natal, a Colômbia, não poucas para o Brasil, onde participou de eventos, deu conferências, dedicou atenção generosa a colegas e, sobretudo, a alunos destes em sessões de trabalho que podiam durar um dia inteiro, discutindo dados de campo, apontando caminhos de análise.
Elsa foi e é protagonista em destaque dos estudos de línguas dos povos originários da América do Sul, com uma dedicação ininterrupta às línguas do noroeste amazônico, notadamente as da família Tukano oriental. Não somente linguista: Elsa tinha uma aguda atenção e uma profunda sensibilidade políticas, sempre ao lado dos povos dos quais defendia direitos e resiliência.
Era e é uma especialista em fonologia, finíssima investigadora de língua tonais. Menciono apenas dois artigos, entre muitos: “Barasana Tone and Accent” (IJAL 66(4), 2000), com Michael Kenstowicz; “More on the tone versus pitch-accent typology : evidence from Barasana and other Eastern Tukanoan languages” (2001, Proceedings of the Second Symposium “Cross-Linguistic Studies of Tonal phenomena. Tonogenesis, typology and Related Topics”. Tokyo : ILCAA, Tokyo University of Foreign Studies, pp. 369-412).
Seus interesses eram amplos. Publicou na Revista da ABRALIN (v. 8, n. 2, 2017) o artigo “Contato linguístico e mudança linguística no noroeste amazônico: o caso do Kotiria (Wanano)”, em coautoria com Kristine Stenzel. Ainda com Stenzel publicou “Evidentiality in Tukanoan languages” (no Oxford Handbook of Evidentiality, 2018).
Teceu uma inteligente interdisciplinariedade entre linguística e antropologia, em “La vue ou l’ouïe: la modalité cognitive des langues Tukano orientales” (In Guentchéva S. & Landaburu J., éds, L’énoncé médiatisé vol. II, pp. 65-85. Louvain : Peeters, 2007). Com o antropólogo Stephen Hugh-Jones, publicou, em 2000, “Introducción a las lenguas del Piraparaná (Vaupés)” (In González de Pérez M. S. & Rodríguez de Montes M. L., eds., Lenguas Indígenas de Colombia: una visión descriptiva. Santa Fé de Bogotá: Instituto Caro y Cuervo, pp. 321-356). Brilhante foi a sua abordagem dos classificadores, como em “When animals become “rounded” and “feminine”: conceptual categories and linguistic classification in a multilingual setting” (In John J. Gumperz & Stephen C. Levinson (eds.), Rethinking Linguistic Relativity. Cambridge University Press. pp. 438–469 (1996)). Foi sobre classificadores na língua Tatuyo que Elsa defendeu sua tese em 1982 (“De la forme et du sens dans la classification nominale en tatuyo (langue Tukano Orientale d’Amazonie Colombienne”)).
Elsa foi responsável, junto com outros linguista amazonistas, pela criação do colóquio internacional Amazônicas, uma fórmula inédita de evento científico, com temas definidos, em dias de apresentação de novas pesquisas e com o tempo para todos os participantes discutirem, trocarem experiências. A primeira edição foi em 2007, em Manaus. A terceira edição foi em Bogotá, na terra natal de Elsa, quando ela nos recepcionou com amor e com festas. Todos os encontros de Amazônicas são inesquecíveis, assim como será o de 2025 em Belém, certamente um evento em nome de Elsa, homenagem toda especial. Não há dúvida que, como escreveu a própria Elsa, esta série de colóquios se abriu para todos os países da região amazônica (e além) tendo um papel de semeador por seu caráter itinerante: Brasil, Colômbia, Peru, Ecuador, até o momento. Esperava vê-la mais uma vez, rir e falar de tudo um pouco juntas. Espere-me, amada!