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NOTA PÚBLICA SOBRE A RETIRADA DO ESPANHOL DO CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO
NO PROJETO DE LEI 5.230/2023

24 de julho de 2024

Nós, representantes das associações estaduais de professores de espanhol e demais associações e entidades que subscrevem este documento, nos posicionamos publicamente nesta nota contra a retirada da obrigatoriedade de oferta da língua espanhola no Ensino Médio do Projeto de Lei 5.230/2023.

Esse PL altera a Lei 13.415/2017, que define as diretrizes para a política nacional de ensino médio, conhecida como “Reforma do Novo Ensino Médio”. Enviado pelo Executivo federal, por meio do Ministério da Educação, para o Congresso Nacional, o PL 5.230/2023 previa originalmente a retomada da oferta obrigatória do espanhol, juntamente com o inglês, nos currículos do Ensino Médio, baseando-se inclusive em algumas questões históricas que aqui elencaremos. Em primeiro lugar, o artigo 4o de sua Carta Magna de 1988, que aponta que a “República Federativa do Brasil, buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino- americana de nações”. Sem dúvida, essa integração passa pela questão linguística, sendo o Brasil o único país de língua portuguesa, rodeado por vários países de língua espanhola, com os quais mantêm relações diplomáticas, comerciais e de cooperação em diversos âmbitos.

Nesse cenário, é preciso ressaltar o papel do Brasil na América Latina, levando em conta sua posição geopolítica no continente e, especificamente, sua liderança na economia, com relações comerciais que contribuem para o crescimento de diversos segmentos, como a indústria, o comércio, o turismo e o ramo de serviços. Algumas dessas relações e cooperações internacionais são firmadas em acordos bi ou multilaterais com países da América Latina, dentro e fora da esfera do Mercosul, todos eles muito importantes para o
fortalecimento regional. Em tal contexto, é claro que a língua espanhola cumpre uma função central.

Cabe também ressaltar que, com a promulgação da Lei 11.161/2005 e por um período de 12 anos e meio, houve um grande investimento por parte do Estado brasileiro para a implementação do que essa lei determinava: a oferta obrigatória pela escola com matrícula optativa pelo estudante do componente curricular “Língua Espanhola”. Tal investimento se expressou, por exemplo, com: a ampliação da formação docente por universidades públicas e privadas, com a abertura de novos cursos de graduação em Letras português-espanhol (segundo dados do MEC, 88 cursos entre 2005 e 2017); a implementação do espanhol nos currículos escolares dos diversos Estados e Municípios do país, bem como a realização de concursos e processos seletivos para professores; a produção de seis editais do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) no período de 2011 a 2018 – nesse último ano, foram distribuídos 4.366.973 exemplares de livros didáticos de espanhol no país. Esses esforços, que correspondem a um trabalho de real planejamento linguístico, fizeram com que, ao implementar a Lei 13.415/2017, que previa a oferta em caráter optativo do espanhol, muitos Estados optassem por manter o ensino dessa língua, devido aos efeitos que tal planejamento tinha produzido: professores formados e contratados, materiais didáticos de qualidade, ou seja, uma série de recursos que foram frutos de um investimento realizado com dinheiro público.

É importante destacar, ainda, que, de acordo com dados fornecidos pelo INEP, à revelia da presença ou ausência de obrigatoriedade de oferta da língua espanhola no Ensino Básico, esse idioma tem sido a opção de língua estrangeira mais escolhida pelos estudantes no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

Somado a essa série de argumentos de caráter histórico, social e político, é preciso lembrar que na, justificativa do PL 5.230/2023, consta que o impacto orçamentário e financeiro da oferta do Componente Curricular de Língua Estrangeira – Espanhol naqueles estados que ainda não contam com essa oferta em seus currículos plenos do Ensino Médio seria totalmente absorvido pela contribuição realizada pela União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB).

Finalmente, também é necessário pontuar que o argumento da redação final do PL 5.230/2023 aprovado na Câmara dos Deputados para manter o ensino de inglês como única língua estrangeira obrigatória no Ensino Médio, segundo o qual a aprendizagem de mais uma língua estrangeira implicaria dificuldade de aprendizagem dos estudantes, não se sustenta em absolutamente nenhum estudo realizado nas áreas da linguagem e da educação. Ao contrário, a oferta de mais línguas comprovadamente contribui no próprio processo de aprendizagem – por ex., elevando níveis de compreensão de leitura ou de conhecimento na língua materna –, além de expandir as possibilidades de uma formação cidadã capaz de dar, em consonância com as diretrizes do Ensino Médio, plenas condições de trabalho e atuação na sociedade, bem como maiores oportunidades de que o estudante dê continuidade a seus estudos na Educação Superior.

Diante desses argumentos acima elencados, afirmamos nossa posição de apoio à retomada da obrigatoriedade do ensino de língua espanhola nos currículos do Ensino Médio, prevista na redação original do PL 5.230/2023, e também à redação do substitutivo aprovado no Senado Federal, de relatoria da Senadora Profa. Dorinha Seabra, que possibilitaria a ampliação da oferta de línguas de acordo com as realidades sociais, históricas e culturais locais. O parágrafo 4o do Art. 35-D, previa que “os sistemas de ensino poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em substituição à língua inglesa ou à língua espanhola”, “caso se comprove a impossibilidade de oferta de uma delas como terceira língua, nas unidades escolares localizadas em região que atenda a pelo menos 1 (um) dos seguintes critérios: I – faça fronteira com países vizinhos, admitida nesse caso a adoção do ensino da língua oficial desse país fronteiriço; II – apresente características históricas, demográficas, sociais ou econômicas fortemente influenciadas pela cultura e pelo idioma de outro país; III – apresente fluxo significativo e predominante de pessoas e bens de país estrangeiro específico, de forma que o estudo de seu idioma seja fundamental para o desenvolvimento da região”.

Esse substitutivo do Senado Federal é, de nossa perspectiva, o melhor encaminhamento para garantir tanto a valorização da diversidade linguística e cultural existente no Brasil quanto a realização plena dos direitos linguísticos das pessoas inseridas na comunidade escolar.

Por fim, para além das questões relacionadas às línguas na Educação Básica, externamos nossa preocupação pelo texto final aprovado pela Câmara dos Deputados para o PL 5.230/2023 que aprofunda as desigualdades educacionais em um país como o Brasil com diferenças socioeconômicas entre estudantes de suas diferentes regiões e classes sociais. Nesse sentido, consideramos inaceitáveis: i) o “notório saber” em detrimento da formação docente pelas universidades; ii) a carga horária na modalidade EAD sem restrições no Ensino Médio; iii) a presença dos itinerários formativos no ENEM; iv) a retiradada autonomia curricular de instituições de formação profissional, como os Institutos Federais; v) a diminuição da oferta do Ensino Médio no período noturno, que impacta diretamente o estudante em idade legal para o trabalho que contribui para a renda familiar; vi) a compensação de carga horária do Ensino Médio, com a substituição do ensino escolar de tempo integral com atividades como estágios e, até mesmo, trabalho remunerado – este
último avançando sobre o direito à educação e abrindo brechas para a institucionalização do trabalho infantil.

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