No dia 18 de março deste ano, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) anunciou que metade dos estudantes do mundo, o equivalente a mais de 850 milhões de crianças e adolescentes, estão sem aulas devido à pandemia de coronavírus. A falta de um encaminhamento centralizado fez com que todas as instituições adotassem paliativos para minimizar o impacto do temporário fechamento físico das instituições de ensino em todos os níveis. A opção pelo “ensino remoto” como um desses paliativos tem despertado preocupações que seguem na contramão técnico-científica de tudo o que se tem construído na formação de professores e na construção séria do Ensino a Distância no nosso país.
Apesar da normativa do Ministério da Educação sobre esta modalidade de ensino permitir que 40% da carga horária de cursos presenciais sejam ministradas a distância em plataformas digitais, há de se considerar que a grande maioria dos alunos não tem facilidade de acesso a essas plataformas por não possuir computadores adequados e por não ter internet de velocidade rápida em casa para estudar e pesquisar remotamente, dependendo, às vezes, da internet das instituições de ensino. Além disso, é preciso que se considere outros fatores potencialmente complicadores, como, por exemplo, a falta de um espaço adequado para o estudo, dificuldades familiares e financeiras, problemas de saúde e emocionais etc.
As licenciaturas e bacharelados em Letras e Linguística formam profissionais para atuação em todos os níveis de ensino e é nosso dever deixar claro que as atividades do magistério impactam diretamente a economia, a cultura e o desenvolvimento da sociedade brasileira. É acertado que o cenário mundial de combate ao novo coronavírus SARS-CoV-2 exige ações técnicas, pessoal treinado e decisões políticas fundamentadas no conhecimento científico.
As associações nacionais da área de Linguística e Literatura cumprem, historicamente, o papel importantíssimo de concentrar, intercambiar e divulgar o conhecimento científico desenvolvido e produzido em toda extensão da formação dos profissionais da área de Letras. Temos constatado que, diante das múltiplas tentativas de fazer com que as aulas não sejam interrompidas, os profissionais da educação têm sido levados ao esgotamento físico e mental, situações de humilhação e controle exacerbado por parte das famílias dos alunos e das instituições em que trabalham. Esses profissionais, preparados majoritariamente para o ensino presencial estão tendo que se submeter, sem formação adequada, a um regime de ensino que não comporta base técnico-científica do ensino presencial e tampouco do EAD. Dessa forma, se agrava não somente o quadro de saúde física e mental dos professores, como também se questiona a qualidade do conteúdo a ser trabalhado em aulas para as quais não houve um treinamento metodológico sistemático para que as adaptações necessárias pudessem ser providenciadas pelas instituições, pelos profissionais, pelos alunos e pelas famílias dos escolares.
Por isso, na condição de representantes dos professores de Linguística, língua portuguesa, línguas estrangeiras e adicionais, língua brasileira de sinais, literaturas de língua portuguesa e literaturas de línguas estrangeiras, as associações signatárias dessa carta aberta se posicionam:
- pela manifestação pública do Ministério da Educação com uma diretriz equilibrada, baseada nos pressupostos técnico-científicos ofertados pela assessoria da UNESCO, para o direcionamento a ser adotado pelas instituições de ensino durante a pandemia do novo coronavírus SARS-CoV-2;
- pela apresentação de indicativos claros, por parte do Ministério da Educação, de providências futuras a serem tomadas quanto à recomposição ou suspensão do calendário letivo escolar;
- contra a precarização da infraestrutura e das condições de trabalho dos professores de línguas e literaturas durante o período de quarentena e isolamento horizontal, especificamente, ao uso das Tecnologias de Informação e Comunicação em modo remoto.
Considerando o cenário atual, mesmo em situação de emergência por causa da pandemia do COVID-19, e os pontos discriminados neste documento, as associações aqui representadas solicitam ao Ministério da Educação um debate amplo com a sociedade de modo que possam ser estudadas e apresentadas soluções para as questões apontadas aqui. Advogamos por um ensino de qualidade, com professores qualificados, boas condições de trabalho, incluindo equipamentos e acesso à internet para todos, docentes e discentes, sem desconsiderar a saúde física e mental, advindas de situações como a que estamos vivendo no Brasil e no mundo.
Brasil, 21/04/2020
Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN)
Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (ANPOLL)
Associação Brasileira de Literatura Comparada (ABRALIC)
Associação Brasileira de Professores de Língua Inglesa da Rede Federal de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (ABRALITEC)
Associação de Professores Universitários de Inglês (ABRAPUI)
Associação Brasileira de Professores de Italiano (ABPI)
Associação Brasileira de Hispanistas (ABH)
Federação Brasileira de Professores de Francês (FBPF)
Associação Brasileira de Professores de Literatura Portuguesa (ABRAPLIP)